segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Gênero e Religião


Atuar e pesquisar em defesa dos direitos das mulheres, hoje, no contexto latino americano, brasileiro, é diferente do contexto em que as precursoras do movimento feminista se situavam. Fazendo um paralelo dessas realidades percebemos mudanças inclusive no sujeito de nosso pensar e também no método pelo qual percorremos para traçar uma análise.
Após Joan Scott (SCOTT, 1990) ter estruturado o conceito de categoria de gênero como categoria relacional em diálogo com as teorias pós-estruturalistas, a teoria feminista sai da discussão de conceito de mulher, para a discussão de relação entre homens e mulheres, ou seja, para discutir gênero.
Atualmente, o contexto que temos é da categoria de gênero presente no campo teórico dialogando com outros saberes, influenciando e sendo influenciada por eles. As feministas hoje se encontram discutindo academicamente suas teorias, práticas e lugares políticos (SCHMIDT, 2004).
A prática teórica, como é chamada, deve sempre rever e transgredir os espaços de poder, dentro e fora do feminismo. Assim, a prática será sempre campo de atuação da teoria estudada, como campo de pesquisa.
Não devemos, contudo, pelo fato de abandonarmos as suas categorias de análise, ou o ponto de partida de suas análises, esquecer das matriarcas que lutaram no espaço político, e que tanto abriram espaço para nós hoje. Devemos sim, lembrar delas para dar uma identidade à nossa luta, já que estamos imbricados, relacionados e relacionando com outros saberes e categorias, como sócio-econômica, étnica, etc. 
Em contrapartida, devemos subverter a essa identidade hegemônica e claramente demarcada como européia e norte-americana, e procurar nossa própria identidade, no que se refere a um contexto latino americano, brasileiro. Assim, a partir de princípios e exemplos da hegemônica teoria feminista devemos reler o nosso espaço e contexto criando uma prática e um lugar político onde caiba nossa realidade. Dando voz e vez a mulheres e lutas de mulheres que fazem parte do nosso cotidiano.
Não entendemos mais que homem e mulher é uma determinação biológica, nem que seus papéis na sociedade são uma construção masculina. Entendemos que a biologia determina macho e fêmea, e não masculino e feminino. Também que os papéis sociais são determinados dentro de uma cultura ideológica machista, androcêntrica, patriarcal, e que são exercidos, defendidos e reproduzidos por homens e mulheres. “Não se nasce mulher, torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1980:9).
Encontramos, todavia, um espaço onde esses papéis masculinos e femininos estão demarcados e protegidos por uma força simbólica muito maior que a da cultura machista, que é o poder do sagrado (NUNES, 2005). A religião é o lugar onde se confere poder e autoridade para o discurso machista, e ali ele se fortalece e toma proporções de dominação ainda maiores. A importância que as pessoas dão ao sagrado é tão relevante que questões de opressão claras tornam-se sequer questionáveis pelo simples fato de atribuírem vontade de Deus a esta ou aquela situação. Os textos sagrados quando usados para legitimar a dominação da ideologia machista são um instrumento poderoso para dificultar a libertação dessa sociedade das relações injustas de poder. 
Apesar de discutirmos relação, não devemos deixar de lembrar que discutimos aqui a partir da minoria, que é a mulher. E por isso, quando relacionamos Gênero e Religião e identificamos tantas mulheres nesse espaço, também demarcamos claramente que elas são maior número que os homens, e estão muito mais situadas nos espaços de prática religiosa e dos cultos, enquanto eles estão na administração, na elaboração das normas, regras e dogmas, na direção e domínio da palavra e dos instrumentos de poder, entre outros. Em alguns casos, as mulheres ocupam também esses espaços de poder, no entanto, elas são minorias quantitativas, e muitas vezes, reproduzem o discurso do sistema que as oprimem. 
A aceitação desse cenário se dá devido a manutenção do patriarcado judaico-cristão, dos dogmas e das regras que foram muito bem construídos e consolidados ao longo dos tempos pelo poder do sagrado, ao ponto de ser reproduzido por homens e mulheres sem qualquer questionamento que pudesse vir a abalar as estruturas patriarcais da religião.
Por fim, parte da resistência que encontramos em mudar o comportamento e as relações de poder da sociedade é devido a influência dessa cultura ocidental-cristã que todos(as) nós, latino-americanos(as), brasileiros(as), nos encontramos. Sabemos que dentro da religião há movimentos, correntes e teologias que pretendem seguir pelos caminhos da justiça, liberdade, igualdade e fraternidade entre homens e mulheres, contra as fortes ideologias do machismo e sexismo. No entanto, estes movimentos e correntes não são as teologias hegemônicas presentes na religião, e o patriarcado ainda é uma forte influência determinada pelo poder simbólico que o sagrado impõe. 

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Referências

BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. Vol. 2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
NUNES, Maria José Rosado. Gênero e Religião. Revista Estudos Feministas. 13(2): 256. Florianópolis. maio-agosto/2005.
SCHMIDT, Simone Pereira. Como e por que somos feministas. Revista Estudos Feministas. v.12 n. spe. Florianópolis. set/dez. 2004.
SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, vol. 16, n 2, Porto Alegre, jul./dez. 1990.

Este texto está também postado em www.prosaeversoentreamigos.blogspot.com

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